A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça começou a discutir, na última quarta-feira (17/9), teses vinculantes e aplicação temporal da posição segundo a qual a devolução em dobro do valor cobrado indevidamente do consumidor não depende de má-fé do fornecedor.
O tema está pacificado por julgamento não vinculante do mesmo colegiado, concluído em outubro de 2020 depois de amplo debate. O objetivo agora é fixar tese pelo rito dos recursos repetitivos.
O mérito da questão, portanto, não vai mudar: a ideia de que a devolução em dobro prevista no artigo 42 do Código de Defesa do Consumidor é cabível se a cobrança indevida configurar conduta contrária à boa-fé objetiva.
O que pode ser alterado é a redação da tese e a modulação temporal de seus efeitos. O julgamento foi suspenso por pedido de vista da ministra Isabel Gallotti.
Devolução em dobro
Relator do recurso, o ministro Humberto Martins se limitou a reproduzir a tese não vinculante fixada pela Corte Especial em 2020, bem como a modulação de efeitos:
A restituição em dobro do indébito (parágrafo único do artigo 42 do CDC) independe da natureza do elemento volitivo do fornecedor que realizou a cobrança indevida, sendo cabível quando a referida cobrança consubstanciar conduta contraria à boa-fé objetiva.
A modulação foi feita na época porque só havia divergência de entendimentos nos julgamentos das turmas de Direito Privado. Elas ora exigiam prova de má-fé do fornecedor para a devolução em dobro, ora entendiam que seria dispensável.
Para os ministros, portanto, foi necessário definir que a nova posição só seria aplicável a partir da publicação do acórdão. Já para os casos de Direito Público, em que nunca se exigiu a prova da má-fé, a modulação foi considerada dispensável.
Seguindo essa linha, Martins propôs que a tese agora vinculante seja aplicável somente a cobranças feitas depois de 30 de março de 2021, data da publicação do acórdão do caso de 2020, excluindo as cobranças originadas de prestação de serviço público.
Modulação temporal
Abriu divergência parcial o ministro Luis Felipe Salomão, que entendeu que as diferentes interpretações nas turmas de Direito Privado, que ele próprio integrava na época, não eram tão relevantes assim.
Em sua nova análise, não cabe a modulação para os casos de Direito Privado porque o acórdão de 2020 da Corte Especial não representou alteração de jurisprudência dominante.
Ele ainda propôs acréscimos na tese vinculante:
I — A restituição em dobro do indébito (parágrafo único do artigo 42 do CDC) independe da natureza do elemento volitivo do fornecedor que realizou a cobrança indevida, sendo cabível quando a referida cobrança consubstanciar conduta contraria à boa-fé objetiva;
II — A demonstração da omissão ou recusa do fornecedor como, por exemplo, a falta de resposta ao pedido informal e prévio do consumidor apontando irregularidade da cobrança, será indício suficiente para embasar pretensão da devolução em dobro;
III – Caberá ao fornecedor, na contestação ou na fase instrutória do processo, demonstrar que não atuou em contrariedade à boa fé objetiva, isto é, que não agiu de forma desleal ou descuidada;
IV – Se houver divergência jurisprudencial em relação ao objeto da cobrança indevida ou a cláusula contratual em que se baseia for posteriormente declarada nula, configurar-se-á engano justificável, excludente apta a afastar a incidência da repetição em dobro.
REsp 1.963.770
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