Em um julgamento inédito, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu por unanimidade o direito de uma pessoa ser identificada como pertencente a um gênero neutro em seu registro civil. A medida contempla alguém que, embora tenha se submetido a intervenções cirúrgicas e procedimentos hormonais para modificação de gênero, não se reconhece nem como homem, nem como mulher.
Os ministros do colegiado seguiram integralmente o parecer da relatora, ministra Nancy Andrighi, com complementações feitas pelo ministro Ricardo Villas Bôas Cueva. Acompanhando a relatora, também votaram favoravelmente os ministros Humberto Martins, Moura Ribeiro e Daniela Teixeira.
Segundo entendimento dos magistrados, apesar da ausência de norma específica regulamentando o tema, inexiste justificativa jurídica para diferenciar indivíduos transgêneros binários — cujo direito à retificação de registro já é reconhecido — daqueles que se identificam como não-binários. Assim, prevaleceu o princípio de que a autopercepção da identidade de gênero deve ser respeitada nos registros oficiais.
Garantia do direito à identidade
O colegiado também reconheceu que o direito à autodeterminação de gênero e à expressão da identidade sexual está intrinsecamente ligado à autonomia individual e à liberdade de construção da própria personalidade — fundamentos constitucionais do ordenamento jurídico brasileiro.
Importante salientar que a deliberação não prevê a supressão da informação de gênero na certidão de nascimento, mas apenas a formalização da identidade autodeclarada da pessoa.
Ao proferir seu voto, a ministra Nancy Andrighi sublinhou a complexidade do tema, classificando-o como um desafio tanto no campo jurídico quanto na esfera social. A magistrada levou em consideração o sofrimento enfrentado pela parte recorrente durante todo o processo. Assim, reformou a decisão anterior, proferida por instância inferior no estado de São Paulo, que havia negado o pleito.
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