Nos primeiros dias do ano legislativo, o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), adotou a estratégia de pautar projetos sem polêmicas e de consenso, mantendo um ambiente mais estável no Congresso. No entanto, essa “pauta light” deve chegar ao fim após o Carnaval, quando entrarão em discussão temas mais sensíveis e de grande impacto político.
Nos bastidores, deputados negociam a liberação de emendas parlamentares, a disputa por ministérios, a definição das presidências das comissões temáticas e até mesmo uma possível anistia aos golpistas do 8 de janeiro.
Pressão por liberação de emendas
A votação do Orçamento de 2025, que deveria ter ocorrido no fim de 2024, foi travada pela insatisfação dos parlamentares com o ritmo de pagamento das emendas parlamentares. Deputados da oposição e até da base governista exigem um compromisso claro sobre os repasses antes de avançar em projetos mais complexos.
“Temos que sentar e conversar com Dino [ministro do STF]. Uma coisa [votação do Orçamento] está atrelada à outra [liberação de emendas]”, disse o líder do Republicanos, Gilberto Abramo (MG).
Outro ponto de divergência é a transparência imposta pelo ministro Flávio Dino na destinação das emendas. Parlamentares aceitam a necessidade de fiscalização, mas querem flexibilizar algumas exigências para manter maior controle sobre a execução das verbas.
Reforma ministerial e disputa por cargos
O governo Lula enfrenta pressão dos partidos do centrão por mais espaço na Esplanada. A bancada do PSD quer trocar o Ministério da Pesca por uma pasta com maior orçamento e visibilidade, como o Ministério do Turismo, atualmente comandado por Celso Sabino (União Brasil). O União Brasil, por sua vez, resiste à ideia e quer manter o controle da pasta.
Além do PSD, PDT e PSB também cobram mais espaço no governo, alegando fidelidade ao Planalto nas votações. O ministro da Casa Civil, Rui Costa, tem mantido reuniões com lideranças partidárias para tentar costurar um acordo.
Disputa pelo comando das comissões da Câmara
Outra questão central nos bastidores é a disputa pelas presidências das comissões temáticas da Câmara. A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), a mais importante da Casa, é cobiçada por União Brasil e MDB, que esperavam assumir o colegiado com base em um acordo feito na gestão de Arthur Lira (PP-AL). No entanto, o PL, partido com a maior bancada da Câmara, não quer abrir mão do controle da CCJ.
O líder do PL na Casa, Sóstenes Cavalcante (SP), foi direto ao afirmar que só aceita ceder a presidência da CCJ em troca de uma contrapartida significativa. “Nossos gestos já se esgotaram”, disse.
Além da CCJ, outros partidos buscam garantir o comando de comissões estratégicas:
• PL quer manter a Comissão de Relações Exteriores, alinhada com sua ala mais conservadora.
• PSD almeja as comissões de Turismo e Minas e Energia.
• PDT busca o controle da Comissão de Indústria.
• Republicanos quer manter as comissões de Comunicação e Viação e Transportes, mas pode negociar outros espaços.
No entanto, as negociações estão paradas enquanto PL e PT não definirem suas escolhas, já que, por terem as maiores bancadas, esses partidos têm prioridade na definição das comissões.
“Enquanto PL e PT não se ajustarem lá em cima, é difícil a gente se ajustar lá embaixo”, afirmou Abramo.
Anistia aos golpistas do 8 de janeiro
O tema da anistia aos golpistas presos pelo ataque às sedes dos Três Poderes em 8 de janeiro de 2023 tem movimentado os bastidores da Câmara. O PL e setores da oposição articulam formas de tornar o projeto mais aceitávelpara a maioria dos deputados, tentando angariar votos suficientes para sua aprovação.
Uma das estratégias estudadas é garantir a anistia para os acusados de crimes mais graves – como golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e organização criminosa – enquanto mantêm as condenações por dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado, cujas penas são mais leves e não levam à prisão.
A base governista resiste fortemente à ideia e não quer permitir que a proposta avance na Câmara. A oposição, por sua vez, argumenta que não será possível um acordo entre os partidos e, por isso, o projeto deve ir ao plenário e ser decidido no voto.
O impasse sobre a anistia persiste, e a pressão deve aumentar após o Carnaval, quando a Câmara finalmente começará a votar projetos de maior impacto político.
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